segunda-feira, 2 de março de 2009

Despedida.


Ao longo dos anos, aprendeu que para entender as coisas do mundo, e do seu próprio mundo, precisava antes colocá-las no papel. Ao mesmo tempo tinha medo do que as palavras escritas prenunciavam. Talvez tenha sido esse o motivo para tantos meses longe delas: descobrir-se nas entrelinhas a aterrorizava. Mas precisava ir até o fim.

Sentou, pediu um café e deixou que o peso do corpo esbaforido por um calor próximo de 40 graus caísse sobre os cotovelos apoiados na mesinha redonda, escondida nos fundos da cafeteria. Suspirou. Lembrou do bafo quente e do sol escaldante daquela tarde de segunda-feira e do desenrolar barulhento de um dia comum no purgatório da beleza e do caos. Agradeceu aos céus a presença do ar condicionado e ao garçom mediano a gentileza de tê-la deixado ali, esquecida naquele canto, por uma meia hora.

Imaginou as quatro amigas blogueiras e suas respectivas realidades. Foi à Brasília, Nova York, Madri, Paris…Permitiu que o devaneio atravessasse o planeta e aterrissou no ex-futuro-destino asiático. Será possível sentir saudades de algo que nunca teve, que nunca viu ou sequer viveu? Sentiu.

Distraiu-se com pensamentos diversos até o momento das sincronicidades da vida berrarem que era hora de abrir a famosa gaveta de frustrações e puxar da memória cada episódio da história a qual se apegara.

Pensou nas tantas voltas que o mundo dá. E nas tantas outras que ela mesma, malandra, já deu munida dos mais insólitos pretextos, mas sempre com um denominador comum, que tentou abafar até a última das últimas gotas d’água que se foram nessa brincadeira.

Uma raiva genuína a tomara conta. Raiva por sentir-se incompetente. Por ter rodado o mundo buscando uma identidade que não encontraria (e que de fato não encontrou) antes de assumir o ônus e as responsabilidades do adeus. Sentiu ódio de si mesma por ter acreditado com tanta perseverança em algo que não existia. Do apego a um amor entranhado, que tornou-se a lembrança de uma época bonita que foi vivida e o boicote a uma outra que poderia ter sido e não foi.

Porque é tão difícil abrir mão desse sentimento institucionalizado? Sentiu uma dor confusa. Não uma dor física dilacerante do rompimento com o outro, a qual já estava acostumada, mas uma dor mais amena, menos óbvia e muito menos clara do rompimento consigo mesma. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de livrar-se de um sentimento que trazia um conforto mistificado e sentir-se definitivamente só.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. Nunca antes se sentira preparada para isso...

Largou a caneta, respirou fundo, terminou o café já frio, e num suspiro de alívio, disse-lhe adeus.



Por Cadija Tissiani

3 comentários:

  1. Amiga,
    Ainda bem que depois de alguns meses longe da caneta (ou do teclado) você voltou a escrever! Suas palavras me parecem ar às vezes!

    Sou sua leitora. Você escreve pra mim.

    Te amo.

    Tita.

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  2. Linda, taí o universo todo que são esses sentimentos: no Rio, em Nova Iorque, até em Paris tem sentimento assim! Por aqui, já passamos da fase de nos maravilhar com as luzes da Times Square e a vida é a mesminha, só com uns centímetros de neve a mais.
    Mas a beleza da despedida ser sua é que a próxima chegada pode ser igualmente sua. O amor é nosso, a gente só compartilha com os outros!
    Beijos e a tudo de bom nesse próximo passo!
    Quem encontre vários outros amores!

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  3. Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo?

    me questionei isso por um ano...
    acabei por pedir aos céus... conformação...
    por não aceitar as coisas como são...
    conformação...

    e de repente percebi que nunca se despede de um amor...
    como diria o chico... amores serão sempre amáveis!!!
    penso eu, hoje, aberto e solto
    que o amor mais importante que pode existir
    é o amor que sinto em mim...
    o amor que aprendo no lidar com o próximo
    o amor que faz falta e preenche...
    contráditório? pode ser...
    venho reconhecendo meu amor em mim
    e vendo, sendo e sentindo ele
    posso dedicá-lo a quem merece-lo agora
    e posso recolhe-lo de onde não frutifica...

    vivo hoje sentindo cada vez mais o poder do amor
    o meu poder de amar... me permito poder amar
    e isso está nas escolhas que faço...

    hoje e sempre escolho amar
    no chorar, no cantar, no viver!!!

    já dei mil voltas pela cidade...
    achei toda força de verdade bem dentro de mim...

    ame...
    te amo...

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