sexta-feira, 27 de março de 2009

Visitantes de outros filos e classes - 1ª parte

Minha paixão com os animais sempre foi um elemento presente na minha vida. Desde a minha decisão de não comer carne até a estudar biologia. Batia o pé para ter animais de estimação, para adotar bichos de rua, para bater no moleque que batia no bicho. Quando era menor e via filmes de guerras e batalhas chorava sempre que os cavalos morriam, "gente tá lá porque quer, se alistou, quis combater, mas e os cavalos, mãe?! é muita sacanagem com eles". Inocências à parte, nessa questão do livre-arbítrio no alistamento humano, continuo achando muita sacanagem com os cavalos.

Na minha casinha, tive alguns incidentes com animais. O mais bizarro foi a presença de um lagarto na janela do meu banheiro (eu moro do terceiro andar de um prédio que não fica no meio do mato). Entrei no box para tomar banho, ia fechar a janela quando vi duas patas bem grande, todas escamentas, amarronzadas, com unhas gigantes e um rabo de iguana pendendo dessas patas. Minha primeira reação, logicamente, foi gritar e sair correndo. Por sorte meu namorado estava presente no dia e eu tenho uma testemunha desse visitante de outra classe, porque sempre que eu lembro dessa história acho surreal demais. Expliquei o porque do meu grito e meu namorado vestiu sua knight shining armor e foi lá fechar a janela pra eu tomar banho. Ela ficou fechada durante toda a noite. Assim como todas as outras lá de casa, fato inédito, porque eu amo vento e sou levemente claustrofóbica. Fico meio agoniada em ambientes totalmente fechados. Mas era uma situação emergencial, afinal eu não ia deixar uma brecha pra iguana entrar e vir fazer carinho no meu pé durante a noite. No dia seguinte, eu vesti minha knight shining armor, recheada de coragem e anti-mulherzinhanismo, e fui abrir a janela para ver se ele ainda estava lá, mas já tinha ido embora. Confesso que fiquei feliz, porque se tivesse que dormir mais uma noite com tudo fechado acho que eu iria passar uma noite de volta na casa da mamãe.

O incidente mais marcante foi logo que eu me mudei, alguns dias depois do incidente com a cafeteira, quando de alguma forma inexplicável, eis que em uma noite surge um grilo no forro do meu banheiro. Nunca cheguei a fazer contato visual, mas o barulho era prova suficiente e inequívoca de que era sim um visitante de outro filo, um grilo. Cantando no volume máxmo que suas asas permitiam, em um ritmo non-stop. Minha primeira tentativa foi estabelecer contato. Entrei no banheiro, acendi a luz e tentei ter uma conversa aberta com o bichinho, "olha, desse jeito nossa convivência vai ser impossível, eu sei que é da sua natureza cantar, mas é da minha dormir, e assim não tá rolando não. Vou abrir bem a janela, fica livre pra ficar em silêncio ou sair por aí cantando, mas aqui e cantando não dá...". O papo se alongou mais um pouco, mas a temática foi sempre nesse sentido. Como ele estava em silêncio durante toda a conversa, fiquei satisfeita que ele tinha entendido o recado, apaguei a luz do banheiro e voltei pra cama. Dois segundo depois que eu me deitei, cri-cri. Criii-criii!! (...)!!

Ok. Se ele quer agir irracionalmente, o problema é dele. Levantei de novo, fui novamente até o banheiro e abri o jogo "meu filho, eu não curto inseticida, não curto violência, amo os animais, mas eu preciso dormir. Eu tenho recursos e posso usá-los. Se você não recuar, eu vou atacar. Guerra é guerra.". Ele, já demonstrando sua faceta cínica, permaneceu novamente em silêncio o tempo todo, mas assim que eu sai do banheiro e deitei, um afrontoso criiiiiiiii. Tentei me concentrar no gandhi e na vitória pela não-violência. Procurei tampões de ouvido. Fechei a porta do banheiro. Tapei a cabeça com o travesseiro. Cri-cri. Cri-cri. Criiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.

terça-feira, 24 de março de 2009

De repente, sobre a poltrona.


Aqui em NY as pessoas jogam coisa nova no lixo. E a rua transforma o significado das coisas, móveis, eletrodomésticos, obras de arte...

O que importa, na verdade, é que a família voltava de um encontrão daqueles com primos e tios que você não vê durante anos.

Na rua pela qual eles andavam tinha uma poltrona vermelha. Era daquelas de casa, mas tava na calçada, no lixo. Nova, aparentemente inutilizada.

Os pais estavam felizes; o filho, de mau-humor.

A discussão começa quando o menino, impaciente das piadas de poltrona, fala mal da avó, reclama da comida, zomba da tia.

Grito pra lá, cala-a-boca pra cá, e a mãe se sentiu desrespeitada.
O filho não entende, não escuta, não se rende.

O pai, de repente, sentado na poltrona vermelha (presente do lixo, naquela cidade regada a pedestres e buzinas), sente o coração ficando bem pequenininho dentro do peito.

Ele se apóia no braço direito, e uma tristeza profunda, desperta e viva dentro daquele momento banal, salta-lhe dos olhos como que a traduzir o drama familiar.


Por Anita Petry

terça-feira, 17 de março de 2009

Meu encontro com a máfia napolitana


Hoje, depois de muito esquentar a cabeça pensando numa boa mentira pra contar pra vocês, me lembrei de uma história que parece mentira, mas não é. Eu estava lá. E vou contar.

Bom, tudo começou com uma aventura, que era ir à Nápoles tentar fazer um curta-metragem documentário sobre os enormes lixões a céu aberto, às muitas toneladas de porcaria espalhadas pela cidade e... a máfia napolitana! Sério mesmo! É que eu tenho um amigo megalomaníaco, então...

Compramos as passagens de avião e eu comecei a buscar no google informações úteis. Confesso que todas as informações adquiridas e memorizadas não me serviram de muito. Mas, tudo bem.

Chegamos lá já de noite, munidos com o nosso manualzinho de Español – Italiano – Italiano - Spagnolo. “Grazzie mile”. “Io sono brasiliana”. “Io no parlo italiano”. “Tutti avanti, tutti subito”. “Mamma mia”.

Bom, com um pouco de sorte e com a malandragem do rapaz – que mais parece carioca que espanhol – chegamos ao albergue. Primeira prova superada. Nos instalamos e saímos pra comer. Entramos em contato com um italiano amigo de um amigo de um amigo, que trabalha, de vez em quando, esporadicamente, com produções audiovisuais. Beleza! O cara ia nos encontrar na manhã seguinte pra um bate-papo. Pelo menos já tínhamos um bate-papo ítalo-espanhol garantido.

Na manhã seguinte, eis que chega a peça: Andrea. Se existe alguém no mundo com cara de italiano, esse cara é o Andrea. Nos apresentamos e ele, que arranhava um espagnolo, nos convidou pra dar uma volta de carro, assim poderia nos mostrar melhor a cidade e o caos nela instalado. Massa!

Começa o passeio e eu vou, gradualmente, me impressionando. Não é que a máfia italiana despeje resíduos tóxicos em Nápoles. A história é que Nápoles é a lixeira da Itália. Simples assim.

Bom, mas essa é outra história. Sigamos com a aventura.

Depois de um longo dia de “reconhecimento do território”, fomos comer pizze frite e bailar tango! O Andrea se mostrou um craque não somente no quesito guia-turístico como também no quesito pé de valsa. Dançamos e bebemos todas. Saímos daí e resolvemos espairecer um pouquinho na beira do mar. Entramos no carro. Dessa vez era o Giovanni, um amigo do Andréa, que dirigia. O carro arrancou e eu grudei no banco. O cara dirigia feito um louco: cantava pneu, costurava geral, freava bruscamente... E eu parecia um boneco de Olinda no banco de trás. Agarrada no puta-merda, suando frio e pensando: meudeusdocéu, nunca imaginei que seria esse o meu fim!

Chegamos na praia e eu prometi pra mim mesma que voltaria de qualquer outra maneira pro albergue, menos naquele carro. A verdade é que no último dia da viagem eu estava até acostumada com a loucura do trânsito, das motos... mas nesse dia ainda não. Convenci meu amigo megalomaníaco a voltar a pé comigo.

Hoje, passado quase um ano, reconheço que talvez não tenha sido a melhor idéia, mas tivemos sorte. Passamos por brigas de bêbados e garrafas voadoras, discussões acaloradas e esquinas escuras, gritarias italianas e sujeitos estranhos...

Mas isso não foi nada, o melhor estava por vir.

Na terceira noite, depois de um dia inteiro de relax na paradisíaca ilha de Capri, resolvemos sair pra jantar. Na volta pra “casa”, caminhávamos por uma dessas ruazinhas estreitas de paralelepípedo, quando, de repente, vem um carro a mil por hora e, cantando pneu, freia a poucos metros de nós, como que bloqueando a passagem. Descem cinco marmanjos mal encarados e nos olham torto. Eu quase tive um troço. Já havíamos escutado bastantes histórias a respeito dos pilantras locais.

Não precisei dizer nenhuma palavra. Meu amigo estava mais branco que uma folha de papel. Nos olhamos e começamos a correr pela única saída possível: uma pequena rua à direita. Corremos até não poder mais. Olhamos pra trás. Ufa! Nem sinal. Eles deviam estar se divertindo com a nossa desgraça naquele exato momento.

Respiramos e nos situamos outra vez. Seguimos, dessa vez com pressa, pra casa. Já quase chegando no nosso portal, escutamos o barulho de uma moto se aproximando em alta velocidade. Não tive tempo pra pensar. Eu avistei a moto e, encima dela, um homem com um braço estendido ao céu. Em sua mão reluzia uma arma prateada. Caralho! Foi o tempo de grudar na parede e fechar os olhos com força. Meu amigo veio junto, nos agarramos um ao outro e... a moto passou, voando.

Chega! Eu não queria mais brincar...

Em Nápoles as pessoas são demasiadamente espirituosas pro meu gosto...

quarta-feira, 11 de março de 2009

Sobre a couve e as pequenas vitórias


Semana passada aqui em casa teve um grande acontecimento: o Festival da Couve. Na segunda-feira, passando frio e desesperada, joguei no google: caldo verde receita. Nesse tempo frio a lembrança das madrugadas alimentadas a cerveja gelada e caldo verde foi uma das poucas idéias agradáveis a essas mãos cansadas de cozinhar. Não achei que o dia fosse chegar, mas chegou: não aguentava mais ter que comer 3 a 4 vezes por dia. A logística é quase insuportável pra mim - se compro leite, tenho que comer cereal todos os dias no café por uma semana. Se em alguma bendita quarta-feira da semana do cereal eu quiser um misto-quente, paciência. Papai Noel, eu quero pílulas de astrounauta no próximo Natal.

Até a idéia do caldo verde chegar. Brilhante. Comprei os ingredientes e fiz uma panelada. Mais de 2/3 da couve sobram... e o resto da semana foi regado a suco verde, receita especial da vovó. Correndo um sério risco de começar a fazer fotossíntese a qualquer momento (acontece, gente), eu venci a batalha. Não desperdicei, e o placar final foi couve zero; Ju 1.

Aqui em Nova Iorque, quando por um segundo a cidade não te engole e você tem algum controle sobre ela, o sabor é o mesmo. Como no metrô, nosso grande ponto de encontro com tantos desconhecidos esquisitos (e outros nem tanto). O irmão da Anita me contou certa vez, cheio de orgulho, que estava em um carro específico do trem onde o freio fazia um barulho assustador. Ele se assustou da primeira vez, mas depois de algumas paradas virou macaco velho. Se divertia com os novatos, assustados a cada vez que o trem freiava.

Um desses dias no metrô uma mulher ao meu lado começou a passar mal. Suava frio, não dizia palavra com palavra, e por fim vomitou. A equipe da estação a acudiu e o trem ficou parado por uns bons 10 minutos. Fomos relocados para outro vagão e seguimos viagem; a moça seguia com um agente do transporte metropolitano no vagão vomitado, até a próxima estação. No meu novo vagão, ninguém sabia do acontecido. Todos só experimentaram uma parada longa do trem, e no máximo espiaram de rabo de olho alguma movimentação no vagão ao lado - ninguém se atreveria a perder seu assento. Mas eu sabia. Eu possuía a informação que todos desejavam. Eu era ali, ao menos por aquele momento, a rainha. A rainha do vagão vomitado.

São pequenos prazeres, admito.

segunda-feira, 9 de março de 2009

1° dia - 2ª parte

Eu, que costumava dar a vitória ao vento sobre o barulho e só dormia de janela aberta, tive uma noite para repensar esse comportamento. Nunca achei que carros passando fossem ser tão anti-soníferos. Mas foram. Talvez carros somados a uma noite anterior - no mínimo - adrenalizante sejam anti-soníferos. O fato é que entre fechadas de olho e um sono totalmente quebrado, os tais sonhos deliciosos que resultariam em uma incrível e revigorante noite, não aconteceram.

Quando o despertador gritou eu irracionalmente desliguei o tal incômodo, virei pro outro lado e fechei os olhos. Quando eles foram abertos novamente eu já estava 15min atrasada. Pulei da cama e lembrei da cafeteira. Aquela supermegaprática cafeteira elétrica minha amiga que é só por o filtro, o café, a água, apertar o botão e, quase que em um passe de mágica, surge o meu café.

Do alto da minha incrível eficiência extrema, resolvi ser esperta e ao invés de me dar ao trabalho de passar o café na jarra de vidro da própria cafeteira e depois colocar na caneca, - pra que perder mais tempo, né?! - posicionei minha caneca preferida no lugar, medindo com cuidado qual seria o ponto exato para que o café caísse dentro dela. Muito satisfeita minha sagacidade e minha praticidade impecáveis, senti que estava me auto-redimindo depois das trapalhadas na noite anterior, fui tomar banho já me sentindo mais animada por estar dando a volta por cima.

Com café quentinho passado diretamente na minha caneca preferida o dia já ia começar bem, eu ia me sentir melhor e, se é que ficou algum, qualquer trauma da noite anterior seria liquidado. Ia ser tudo lindo. O pequeno detalhe é que a cafeteira mostrou-se extremamente sindicalista e não entrega o café pra ninguém, a menos que esse alguém seja uma jarra de vidro de cafeteira. E pior, ela é daquele tipo de gente que pensa "se eu não vou ter, ninguém mais terá" e solta uma risada maligna no final, só para se divertir às nossas custas.

Quando saí do banheiro, o café que deveria ter caído na minha linda caneca roxa do porco rosa, estava por toda a minha bancada, por toda a parte de cima da cafeteira amarga e por um bom pedaço do chão. Na caneca, necas. E, é claro, que por ter presenciado a cena de ontem e saber da minha relação com a eletricidade, em retaliação à aposentadoria da jarra, ela inclusive jogou café na tomada mais próxima.

Líquido. Na tomada. Líquido que coduz inquestionavelmente bem a eletricidade e pode te matar eletrocutada - vide vários casos de suicídio com inofensivos secadores de cabelo em banheiras. Água, com pó de café, na tomada. Isso significa que eu ia ter que - novamente - encostar na caixa de torturas, porque - obviamente - eu só ia limpar essa armadilha fatal com o disjuntor desligado. E o relógio não parou de contar as horas não, nesse momento eu já estava uma meia hora atrasada. Sem café - em formato bebível, pelo menos - pra começar o dia, sem ter dormido direito, sem um pingo coragem de reagir àquilo tudo (ironia não ter nem um pingo disso e vários mL de café espalhados por vários lugares da casa? Pois é, a cafeteira mostrou-se irônica). Passei reto pelo café e saí de casa sem olhar para o que ficou. Quando cheguei no estágio e contei minhas aventuras tudo já melhorou; me pagaram um cafécompãodequeijoborrachudo de consolo e logo mais eu consegui rir de tudo. Enfim. Lição do 1º dia? Não é só porque o café é legal que a cafeteira também vai ser.

quinta-feira, 5 de março de 2009

CaRtA PoStAdA


PS: Não adianta tentar enganar; essa foi escrita no verão, quando nem a neve nem a presença mágica do Sassá me transformavam a vida ainda.


Amigo de Brasília,

Nossa, meu amigo! Quantos amores você tem vivido! A vida aqui anda corrida, agitada, doída até. E paixões não têm tido muito espaço.
Por vezes, me lembro das histórias malucas pelas quais essa Brasília de cores me viu passar. E tenho saudades.
Saudades do pânico adolescente, de quando a gente tem cer-te-za de que vai morrer de amor.

Hoje em dia, sabendo que disso não morro mais, deixo aquela dor fininha que dá no peito ir e vir como bem entende. Ela manda na gente.

A tranqüilidade me faz diferente.
Encaro essa cidade com um desespero desenfreado que, de repente, me surpreende por conter em si uma maturidade incrível, que me acalma e afaga o ego.
Somos competentes.
Digo e repito: essa cidade estranha aqui, que carrega o mundo todo numa esquina, não me engole.

A saudade que tem me atormentado é da cidade daí. Que é a saudade de casa, dos amigos, de histórias. Brasília tem uma poesia, que é diferente da magia tropical do Rio, que enlouquece forasteiros e os toma o coração por completo, ou da loucura de Sampa, que tenta enganar a gente chegando na hora e abrindo poupanças.
Ainda nova e já tão cantada. Brasília menina.
A saudade que tenho desse planalto vermelho é saudade da minha vida de patins e pôr-do-sol, de teatro, conic, rock'n roll. :o)
Minha vida de copos e kibes (tantos!), de Arleudos, Cíceros, Feitosas...

E agora aqui, sob o calor infernal que os arranha-céus trancam na cidade, a circulação do capital que nos assusta com sua atroz velocidade, e a batalha diária que se trava em torno dele, curioso é o meu andar por entre suas ruas e avenidas. Já desço a cidade a pé como que me adonando de suas luzes, de seus ares. Nuevos Aires.

E minha latino-americanice, minha saudade toda, latina, exagerada, cheia de si, fica guardada nas coisas que eu vivi.

Assim como um dia tanta gente desembarcou nessa cidade menina (onde eu, menina, também cresci), há pouco parti, sozinha. Preciso crescer longe dela, longe do aconchego de seus números e de sua solidão. Sim, essa solidão burguesa que a gente dribla num piscar de olhos, você sabe.
Ela me ensinou lições que tenho posto a prova, sem falsa modéstia, por vezes, de forma brasileira magistral.

Não, não tenho novidades. Ainda tô fodida, lascada e sem dinheiro, mas as boas intuições me deixam serena e feliz.

Aguardo ansiosa as tuas palavras, que sei lá como as escolhe debaixo desse céu de nuvens raras e de tanta poesia.

Beijos,
Sua amiga de Nova Iorque.



Por Anita Petry

segunda-feira, 2 de março de 2009

Despedida.


Ao longo dos anos, aprendeu que para entender as coisas do mundo, e do seu próprio mundo, precisava antes colocá-las no papel. Ao mesmo tempo tinha medo do que as palavras escritas prenunciavam. Talvez tenha sido esse o motivo para tantos meses longe delas: descobrir-se nas entrelinhas a aterrorizava. Mas precisava ir até o fim.

Sentou, pediu um café e deixou que o peso do corpo esbaforido por um calor próximo de 40 graus caísse sobre os cotovelos apoiados na mesinha redonda, escondida nos fundos da cafeteria. Suspirou. Lembrou do bafo quente e do sol escaldante daquela tarde de segunda-feira e do desenrolar barulhento de um dia comum no purgatório da beleza e do caos. Agradeceu aos céus a presença do ar condicionado e ao garçom mediano a gentileza de tê-la deixado ali, esquecida naquele canto, por uma meia hora.

Imaginou as quatro amigas blogueiras e suas respectivas realidades. Foi à Brasília, Nova York, Madri, Paris…Permitiu que o devaneio atravessasse o planeta e aterrissou no ex-futuro-destino asiático. Será possível sentir saudades de algo que nunca teve, que nunca viu ou sequer viveu? Sentiu.

Distraiu-se com pensamentos diversos até o momento das sincronicidades da vida berrarem que era hora de abrir a famosa gaveta de frustrações e puxar da memória cada episódio da história a qual se apegara.

Pensou nas tantas voltas que o mundo dá. E nas tantas outras que ela mesma, malandra, já deu munida dos mais insólitos pretextos, mas sempre com um denominador comum, que tentou abafar até a última das últimas gotas d’água que se foram nessa brincadeira.

Uma raiva genuína a tomara conta. Raiva por sentir-se incompetente. Por ter rodado o mundo buscando uma identidade que não encontraria (e que de fato não encontrou) antes de assumir o ônus e as responsabilidades do adeus. Sentiu ódio de si mesma por ter acreditado com tanta perseverança em algo que não existia. Do apego a um amor entranhado, que tornou-se a lembrança de uma época bonita que foi vivida e o boicote a uma outra que poderia ter sido e não foi.

Porque é tão difícil abrir mão desse sentimento institucionalizado? Sentiu uma dor confusa. Não uma dor física dilacerante do rompimento com o outro, a qual já estava acostumada, mas uma dor mais amena, menos óbvia e muito menos clara do rompimento consigo mesma. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de livrar-se de um sentimento que trazia um conforto mistificado e sentir-se definitivamente só.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. Nunca antes se sentira preparada para isso...

Largou a caneta, respirou fundo, terminou o café já frio, e num suspiro de alívio, disse-lhe adeus.



Por Cadija Tissiani