quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O nó


Era uma terça-feira de inverno em Madrid. Ela caminhava apressada por Chueca, olhava para os lados em busca de um lugar para comer. Tinha muita fome e pouco tempo. Em breve deveria estar do outro lado da cidade, dentro de um escritório escuro e impessoal.

Entrou num pequeno restaurante chamado “El Rincón de Chueca”. Os garçons e os clientes faziam jus à fama do bairro. Eram todos, ou quase todos, homossexuais. Ela se sentou sozinha numa mesa e sorriu. Sempre se sentira bem entre os homens. E, na verdade, sempre desfrutara de uma simpatia especial pelos gays, e era recíproco.

Pediu uma ensalada mixta e salmão a la plancha. Quando já estava por terminar a salada, percebeu que o homem que estava na mesa em frente a sua, sozinho, chorava. Observou-o atentamente durante os quinze minutos de que dispunha para almoçar. O homem se lamentava, murmurava algo para si mesmo. Era uma tristeza profunda.

Em nenhum momento ele lhe pareceu estar zangado ou arrependido de algo. Estava triste. As lágrimas corriam soltas pelo seu rosto. Algumas desciam até o queixo e logo desapareciam no cachecol. Outras eram tragadas junto com os espaguetis.

Ela não entendia como o sofrimento oculto de um anônimo podia causar-lhe tamanho impacto. A cada garfada angustiada daquele homem ela sentia o peito apertar mais. Não conseguiu terminar de comer.

Pediu ao garçom que lhe preparasse o salmão para levar. Pagou a conta, fumou um cigarro e, ao levantar-se para ir embora, foi dominada por um sentimento muito forte. Tremia dos pés à cabeça e, sem tentar reprimir o impulso, levantou-se e foi até a mesa daquele homem.

Inclinou-se para frente e lhe perguntou, com a voz tremida e fraca:

- Perdoe-me, você está muito triste, não?

- Sí...

E viu duas gotas gordas escorrerem naquele rosto desconhecido.

- Posso te dar um abraço?

- Sí...

Abraçou-o como a um velho amigo. Com força. E sussurrou-lhe ao ouvido que não se preocupasse, mesmo sem saber o porquê das lágrimas. Ele, totalmente entregue ao abraço, beijou-lhe o pescoço - com esses beijinhos murchos que quem sofre.

Eles se entreolharam com os olhos cheios de água. Ela não conseguiu dizer nada mais. Despediu-se com a cabeça e se foi. Ele seguiu-a com o olhar.

Ao sair do restaurante, ela sentia o peito repleto de luz, sensação boa, mas que lhe causava dificuldade para respirar. Ele, sentado naquela mesinha, só e perplexo, sentia-se aliviado, como se houvessem desfeito o nó que lhe apertava a garganta.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


Café do Ponto. Abro o pote e acomodo um filtro Melitta no coador. Ainda nem me olho no espelho, a parada pro café fica entre minha cama e o banheiro, antes do xixi matinal. É essa a urgência.

O café me serve como um corrimão me levando da noite ao dia, entre a cama e a rua, o horizontal e o vertical. Vivo sozinha e não posso esperar um grito de café vindo da cozinha a me acordar. Meu café quem faz sou eu – e um pouco do resto de meu dia também.

Como boa moradora do império do consumismo, me rendo a ele tantas vezes, mas tantas vezes além do desejado. Já tive minha boa cota de máquinas de café italianas – grandes, pequenas, de inox, de alumínio – “são só 10 dólares”, “leve uma caneca na compra da segunda cafeteira”. Para enchê-las, já tive grãos de todas as cores e procedências. É um tal de moído fino, grosso, tostado por X horas a Y graus, da Colômbia, Etiópia ou França, com cafeína ou sem, ou até um leve toque de avelãs.

Não gosto de tantas opções – me sinto uma aleijada no corredor do supermercado, sem forças pra pegar o colombiano, enquanto o francês me olha, desolado. Não suporto a tensão da cafeteirinha, sem saber se a quantidade de pó foi suficiente, se o grão é fino demais e passará pro compartimento do café, se ficará queimado ou não. Pode bem ser pura idiotice, mas nunca fiz um café gostoso nessa maquininha como aquele melado tomado na roça, passado numa meia velha e acompanhado de uma rosca com manteiga, ao som do mugido das vacas.

Eu sei que não controlo muita coisa. E sigo tentando aprender a deixar acontecer, e substituir o destino pela probabilidade. Mas, nos primeiros momentos do dia, eu gosto é do simples e seguro, de ver tudo acontecer, passo a passo: o pó se encharcar, o cheiro subir, e o café gotejar. Exercito com gosto meu pequeno-grande poder e me embalo na segurança do meu café. Aqui em casa, todo dia de manhã, o esquema funciona assim: um coador, um filtro Melitta, e um Café do Ponto importado do Queens.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

1° dia - 1ª parte



Primeiro dia de casinha. Casinha nova, já com livros velhos e cama velha, mas ainda com cheiro, barulhos e luzes novas que não me deixaram dormir bem na tão esperada primeira noite. Isso tudo, obviamente, recheado e bem temperado com muita ansiedade e urgência de enfim começar a tal vida nova: agora vou morar sozinha. Nessa mesma primeira noite, eu, com todos os meus problemas relacionados à eletricidade (ah sim, a eletricidade me tortura. já levei choque em quase todas as estruturas - ditas - não-condutoras. o auge foi um choque que eu levei de um champignon que eu fui roubar da pizza, ainda dentro da caixa de papelão, aberta em cima do fogão. aham, eu sei, ela me tortura e, sim, eu tenho medo.) fui corajosamente colocar uma lâmpada nova no spot novo.

Como não sou totalmente imprudente, desliguei o interruptor da parede, calçei minhas havaianas, coloquei as novas luvas de silicone para pegar coisas quentes no forno, subi no banquinho de madeira e fui colocar a tal da lâmpada nova. A princípio, tudo certo. Nenhum choque, nenhum pipoco, nenhuma faísca. Não é que eu por um minutinho eu fiquei feliz e tive esperança? Desci da cadeira, tirei as havaianas (amo andar descalça; em casa nem chinelo fica no pé em situações normais) e as luvas e me dirigi ao interruptor. Interruptor pra baixo e POW! A lâmpada estourou, o disjuntor caiu e eu fiquei totalmente no escuro, cercada por cacos de vidro que foram espalhados - inclusive - em cima da minha cama.

Minhas opções?
Bom, resumidamente:
1 - dar um chilique, ir até a porta, abrir e mexer na caixa de torturas (a.k.a. caixa de luz, de força, quadro elétrico) e ligar novamente o disjuntor que caiu.
2 - dar um chilique, tentar sacudir os cacos da minha cama no escuro e torcer para não me cortar (porque eu nem um mísero band-aid tinha na casinha) e esperar o dia nascer.
3 - dar um chilique, dormir no tapete de 30x40cm do banheiro e esperar o dia nascer.

Depois de uns minutos, de sentir o chão frio do banheiro e de pisar em um caco de vidro, mesmo tendo certeza de que o meu passo foi rumo a uma direção livre dos pedaços de vidro, respirei fundo, reuni novamente minha coragem, que agora estava espalhada pelo chão junto com os caquinhos, e escolhi o número 1. Pesquei as havaianas com uma toalha e andei até a tal caixa do mal. Disjuntores para cima, nenhum choque elétrico. Coragem reunida. Vassoura estreiada, cama pronta para ser dormível e lá fui eu deitar e tentar dormir - sonhando com o cafézinho que eu ia fazer na manhã seguinte antes de ir pro estágio. Aquele café gostoso, naquela cafeteira elétrica especial que mamãe me deu para que eu não sentisse tanta falta do café materno de todas as manhãs. (rhum, se eu soubesse o que a manhã traria..)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

De Café e Irlandeses.



Café, pra mim, só se for com uísque.
E, pensando bem, nem com uísque eu costumo degustar.

Gosto de café, mas nunca tenho vontade de tomar. 
Quando tenho, sento e espero passar. 
É que a  minha taquicardia desenfreada tem o poder de acordar vozes de consciência:

“Tomar café pra quê, Anita? Você nunca toma mesmo…”

“Ah, fala sério, duvido que faça falta!”

É, o café não faz, mas uma coisa é certa: tudo que o rodeia me proporciona imensos prazeres.

(lembrando do cheirinho…)

Adoro manhãs acompanhadas, manhãs lentas, pão com manteiga (daqueles de padaria brasileira), música ao fundo, sol entrando pela janela, bate-papo, biscoitinho, cigarro, texto, desculpa pra conhecer alguém melhor;

"Ah, vamos tomar um café qualquer dia desses!"

desculpa pra chegar mais cedo;

"A gente pode sentar e tomar um café..."

pra agradar as visitas…;

"Quer um cafezinho?"

Adoro, então, todos os acompanhamentos da velha xícara, mas ao típico café, eu com certeza prefiro os papos, e com certeza prefiro Irish!

:o)

Anita Petry

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A história da cafeteira


Era uma bela manhã de março. Eu havia chegado da academia e estava literalmente desmaiando de fome. Resolvi comer antes de tomar banho, assim dava tempo pro corpo esfriar.

Comecei o processo diário de desjejum. Liga a torradeira, bota o pão, separa o queijo e o presunto, serve um copo de suco, toma o remédio da tireóide e... prepara o café.

Não sei se foi o frio tremendo que sentia – ainda era inverno – ou se a fome brutal, mas o fato é que, durante o complicadíssimo processo de montagem do meu aparato fazedor de café, esqueci uma pequena pecinha no escorredor de pratos: o filtrinho.

Nunca menosprezem as pequenas peças! Elas podem ser fundamentais.

Não sei se já ocorreu com algum de vocês... mas, eu digo, não foi divertido.

Bom, passados uns minutos, a cafeteira já estava no fogo, o misto-quente quase pronto e o suco pela metade, quando... pfffffffffffffff chuáááááááááá. Não sei se a onomatopéia descreve bem, mas foi uma explosão.

A tampinha se levantou e o café saltou como um jorro de petróleo salta de um poço recém descoberto. Foi de cinema. Eu, naturalmente, soltei um daqueles gritos de filme de terror, bem agudos e longos. Quase tive um troço. Havia café por tudo e, diga-se de passagem, passei meses encontrando grãozinhos de café esquecidos.

Eu juro que naqueles instantes posteriores ao susto agradeci por viver sozinha. Não seria bacana que me vissem naquele estado lamentável. Encharcada de café até os cabelos, com os olhos cheios de lágrimas (sim, o susto foi grande!) e aquele líquido negro que parecia brotar da janela, do teto, das paredes.
Marieta Cazarré