quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O desembuchamento


O desembuchamento das palavras é uma das coisas mais complicadas desse mundo de meu deus do céu. Em boca fechada não entra mosca, mas também não saí som: por essa a minha vó não esperava. E se o som não sai, alguma idéia de para onde ele vai? Isso mesmo. Não vai. Fica. E ficando o volume só aumenta, as frases se machucam e os olhos só se enchem. E esses sim, não fazem a menor cerimônia de manterem suas respectivas torneirinhas fechadas. O não-desembuchamento é mais complicado do que trânsito em hora do rush. Ou talvez seja exatamente como trânsito em hora de rush: é um saco, mas quando já se está lá parado dentro dele, não tem o que fazer. Pode se desesperar o quanto quiser, de lá - tão cedo - você não sai. E todas aquelas cenas poéticas e romanticamente passionais de pessoas gritando umas com as outras, falando, sem filtro nenhum, tudo aquilo que passa pela cabeça, nem ligando para o que isso tudo pode causar... todas elas se tornam miragem: aquela curva lá na frente que parece estar descongestionada. Lá na frente. Parece. Quem sabe. Ouvi dizer, eu acho. Ou não. Mas a certeza de sentir o calor queimando no braço do motorista, o suor surgindo no abafamento do carro embaixo do sol e a cabeça latejando de tanto pensar em todos os milhares de caminhos que se poderia ter pego e assim evitado o trânsito, ah, essa certeza é bem clara. Bem alta. Bem retumbante entre os meus dois ouvidos. E poderia ser diferente com tanto som acumulado? O escrever ajuda, mas é como ligar o rádio quando se está parado no congestionamento, remedia, mas não resolve seu problema. E tem horas que nenhuma música boa toca, aí sim. Aí é a hora do não-desembuchamento mesmo. Quem me dera ser desses leves desembuchadores, que falam com a mesma desproblematização com que respiram. Quem me não ter insônia, nem essa sinfonia de sons distorcidos zumbindo na minha cabeça. Quem me dera, talvez, um dia, me tornar uma desembuchadora, cortar os fios que me prendem e arranjar um desses megasuperduper carros que passam por cima dos outros e nunca pegam trânsito nenhum: eles só passam.