
Um silêncio ensurdecedor tomou conta do espaço. No descer dos créditos, era quase possível escutar o ronco de consternação de estômagos previamente alimentados.
Durante os 110 minutos de exibição de Garapa, o novo documentário de José Padilha, um nó cego se amarrou sorrateiramente na garganta e pegou de surpresa até os que se predisporam às cenas mais perturbadoras. Imagens de uma realidade que normalmente é vista traduzida em números, índices e planilhas, provocaram uma espécie de catarse emocional coletiva, na sala seis do Artplex, em Botafogo.
No seu caso, em especial, a fome crua, dilacerante, brutal, retratada em preto e branco aguçou seus questionamentos sobre o mundo, sobre a natureza dos sentimentos e relações interpessoais, sobre solidão, sobre si mesma. A ingenuidade do menino que agoniza de dor pela dor, e não por sua própria condição miserável, elevou à décima potência sua autocrítica. Sentiu nojo de si mesma pelas tantas lágrimas derramadas por pseudo-problemas incomparáveis.
Visualizar uma criança morrer a cada cinco segundos no mundo, de fome, não nos permite a infelicidade por ninharias existenciais e nos obriga um posicionamento.
“Você não tem o direito de ser infeliz”. A frase tantas vezes pronunciada pela mãe, enfim, fez sentido. É covardia chorar por qualquer outra razão que não seja o estômago ecoando, experiência vivida diariamente por cerca de 920 milhões de pessoas no mundo, segundo o órgão das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação, FAO.
No filme, três famílias do interior do Ceará são o espelho de uma legião de famintos, eufemisticamente enquadrados na situação de insegurança alimentar grave. Para enganar a fome dos filhos, água suja com açúcar que dá nome ao filme.
Garapa deve ser visto, não para ser julgado, sequer para ser apreciado. Deve ser visto para instigar uma outra fome, a de pensamento.