segunda-feira, 11 de maio de 2009
Só vaga-lumes salvam
Quando eu era pequena, meu pai costumava levar nossos colchões para o jardim quando alguma coisa estonteante estava para acontecer no céu. Lua cheia, cometa, eclipse lunar, foguetes, balões de São João, fogos de artifício, vaga-lumes... Qualquer coisa que brilhasse lá em cima, garantia a aventura de uns quinze... Lembro das carinhas dos meus irmãos ansiosos e da força mental que fazíamos enquanto meu velho ligava para as casas de toda a molecada da rua e prometia aos respectivos pais velar o sono da macacada durante toda a “experiência”. Cada “sim”, ainda que desconfiado, era uma explosão de “Eees” e de risadas engraçadas que anunciavam o nível das expectativas para a empreitada.
Escalado o batalhão, começava a etapa de organização do espaço, seguida pela de preparação dos mantimentos e angariação de abrigos necessários para a madrugada a dentro. Para finalizar a logística, litros de repelente para que todos os bumbuzinhos voltassem lisinhos pra casa no dia seguinte. Condição quase contratual.
A noite começava a cair, e armados até os dentes de guloseimas variadas, deitávamos nos colchões e esperávamos pelo show. Qualquer que fosse ele.
Não sei precisar exatamente até que ponto as lembranças que trago guardadas realmente aconteceram. Até porque, a linha entre imaginação e realidade nunca foi muito bem delimitada na minha caminhada. O fato é que descobri dentro delas acontecimentos tão distintos quanto fantásticos que me renderam um surto de felicidade imediata. Chuvas de estrelas-cadente, danças com vaga-lumes, contatos sobrenaturais de terceiro grau, batalhas com armas imaginárias e munição de pipoca...
Precisei recorrer à minhas gavetas de infância, quando me vi sentada no chão do meu banheiro acuada com o tiroteio que se desenrolava a metros da minha casa.
Era uma noite de lua cheia de um domingo como outro qualquer e minutos antes eu, que agora me ajoelhava paralisada nos azulejos gelados, sassaricava pelas ruas de Ipanema na companhia de um i.pod e alguns pensamentos soltos.
Apesar de morar no Rio de Janeiro e de já ter entendido que o que se fala não é lenda, jamais havia em deparado com situação do tipo. Um medo genuíno me tomou conta.
O telefone não pega lá em casa e na falta de alguém dividir a tensão, sobrou novamente para a imaginação. Forrei o chão com algumas toalhas, coloquei os fones de ouvidos e pensei nas histórias do meu pai. Depois de algum tempo, os tiros de metralhadora se transformaram em fogos de artifício, que logo me transportaram para a guerra de pipocas... Entrei num transe gostoso e voltei para aquelas noites mágicas em que a única preocupação era se a quantidade de chocolate per capta seria o suficiente...
Acordei na manhã seguinte, contorcida no banheiro, com uma conversa que tive com a minha afilhada de cinco anos martelando a cabeça.
Estava num daqueles dias em que os problemas nos enchem até a tampa e nos cegam mesmo diante do pôr do sol mais lindo do planeta e, até encontrá-la, já tinha chorado baldes de lágrimas e berrado com meia dúzia de pessoas. Minha cabeça fervilhava, mas para não pagar uma de tia chata, contei a ela uma oração que eu costumava fazer no momento em que o sol se despedia e a noite começava a dar o ar de sua graça --“Primeira estrela que vejo, dê-me tudo que desejo” -- e pedi ela que fizesse um pedid...
– pede você primeiro?!
– saúde, paz, harmoni...
– Ai, madrinha! Pede uma coisa mais interessante!
– Joana, mas essas são as coisas importantes na vi...
Preparei todo discurso de que o equilíbrio é a chave para felicidade e ela saiu-se com essa:
–vááááááários vaga-lumes, por exemplo!!
Bingo. Não é que ela estava certa?
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Triste e bonito - era esse seu alvo? hehe... Não sei se acho mais triste porque você passou uma noite encolhida no banheiro da sua casa com medo de metralhadoras (!) ou mais bonito pelas lembranças luminosas e ensinamentos sábios! Não, é triste mesmo. Ah!, acho que entendi: só vaga-lumes salvam...
ResponderExcluirBeijos, linda, e se cuida!
Lindo lindo.
ResponderExcluirE eu bem sei que só eles salvam, já fui resgatada por um. :)
beijo!
Quase consigo te ver andando em Ipanema com seu ipod, também já me peguei andando na Barata Ribeiro, com meu ipod pensando coisas soltas. lindo seu texto pode ser filme, tá escrevendo muito. beijo e a gente se vê.
ResponderExcluirQue surpresa vc por aqui, mocinho!
ResponderExcluirApareça sempre!
Grande beijo e obrigada! :)