Na nossa inofensiva meninice, com delicadas superfícies macias, penteados cabelos brilhosos, sorrisos ornamentais e gestos coreografados, somos aquela inofensiva água com açúcar, que vovó já recomendava como calmante para os momentos conturbados. Somos calmamente pedaços soltos de cetim rosa que deve não só voar, mas flutuar com graça e eleganância pelas esquinas da vida. Não carregamos peso, não sujamos as mãos, não conseguimos nos defender das todas inúmeras perigosas artemanhas do mundo. Somos princesas. Gatinhas. Rosinhas. Doces. E ai da princesa que vomitar com tanto açúcar. Ah, sim. Por que princesa não vomita. Nada fisiológico nos acomete. O parto então, é quase um momento de perfeita iluminação cenográfica, em que todos os ângulos mais favoráveis são capturados. Se for uma bebê-menina, nem precisaria ser dito: já nasce com babados e brincos. É um milagre. Devemos esperar comportadas, comer pouco, beber de forma graciosa. O melhor é que nem se beba, mas vinho é aceitável. Branco. Ou rosa, obviamente. Bichos de estimação são permitidos, desde que sejam fofos. A fofura é outro aspecto essencial. Temos que ser fofas, meigas. Inteligência não é tão essencial assim, mas caso esteja presente é aceitável desde que não seja voltada para algo não feminino, como política, mecânica. Nossa senhora do santo batom nos proteja e a todas nossas filhas de que uma menina nasça com isso. Avecruzvirgecrispim. E quando se trata de sedução (ou seria melhor dizer do romance, já que pode não pegar bem para uma menina tão rosácea como eu falar de sedução)? Somos como vítimas nos assuntos do coração. Esperamos que o destino (ressalta-se que o destino, com seu poder incomensurável, só poderia ser um substantivo masculino, certo?) nos traga a alegria, que o cavalheiro charmoso magicamente nos encante ou - talvez, pobre de nós - um jovem mal-intenciondo nos seduza e nos arrebate do chão. Ai de nós. Vítimas do destino, dos cavelheiros ou da sedução. Pobres criaturas inofensivas que nada sabem, nada tem culpa, nada desejam, além de mais cremosia para nossa existência. Ainda bem que enjoar é algo bem feminino e que ninguém vai me julgar se eu desistir de tantas sedas cor-de-rosa por questões de saúde. Sou uma mulher enjoada com tanta água rosa com açúcar que nos afoga, que nós nos auto-afogamos, que afogamos umas as outras, em todos os benditos e perfumados dias.
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Eu chego tô enjoada como se uma perua usando um vidro de perfume dooooce francês tivesse passado por mim! Consigo sentir o cheiro/gosto do perfume doce na garganta!
ResponderExcluirArgh!!!